Caso João de Deus – Qual o motivo de tanta impunidade?
Segundo a reportagem, “O delegado-geral da Polícia Civil de Goiás informou que o médium João Teixeira de Farias, o João de Deus, já respondia a QUATRO INQUÉRITOS anteriores por denúncias de assédio e abuso sexual.”
E continua: “Ele disse que DOIS INQUÉRITOS foram instaurados em 2016 e outros dois foram abertos este ano, no mês de agosto. Ele confirmou que, em ao menos um dos INQUÉRITOS, o médium já foi ouvido.” (grifos nossos)
Como temos acompanhado pela imprensa, até o momento já foram identificadas centenas de vítimas, e o médium cometia os crimes desde a década de 80 (no mínimo uns 30 anos). Reparem a extensão de um ato criminoso que vai se perpetuando no tempo.
Pois bem, vamos passar a analisar o que foi feito a respeito, até agora.
A reportagem diz que existem pelo menos 4 inquéritos policiais, sendo que dois são de 2016.
São DOIS ANOS para se investigar um crime de possível abuso sexual.
Foram 2 anos de investigação efetiva ou da mais pura burocracia?
Alguma coisa foi realmente feita dentro do inquérito policial, alguma ação foi tomada, alguma diligência ou análise foi feita, ou apenas foram gerados papéis, formalidades, pronomes de tratamento, assinaturas, carimbos e rubricas, com portarias de instauração, despachos, pedidos de prorrogação de prazo, ofícios que ninguém responde, intimações que ninguém recebe, etc?
Quais são os vestígios que ainda existem desses crimes, além das memórias das vítimas? Possivelmente nenhum. O tempo se passou e as cenas dos crimes desde 1980 até hoje já esfriaram, ou melhor, congelaram.
Mas o que poderia ter sido feito a respeito do caso se tivéssemos uma polícia mais eficiente, com um POLICIAL DE CICLO COMPLETO, que recebe o caso e realiza suas próprias diligências de forma ágil, com foco na cena do crime?
O que aconteceria com o criminoso se a investigação fosse desburocratizada, técnica, focada na coleta de provas?
Não estamos pedindo o fim do nome “inquérito policial” mas sim que este procedimento mude radicalmente, deixe de ser burocrático e cartorial, submetido ao regime de “presidência das investigações”, com um policial despachando do gabinete, outro policial apenas formalizando os atos do presidente, outro policial fazendo as perícias e outro policial fazendo diligências de campo. Esse modelo não funciona mais.
Não seria muito mais lógico que uma única pessoa ficasse responsável por toda a investigação, de ponta a ponta (salvo perícias específicas, realizadas por especialista), ao invés de um dando ordens o outro repassando as ordens e um terceiro cumprindo?
No exemplo acima, são três policiais para fazer o trabalho de apenas um, sem contar que cada um tem prazo pra fazer a sua parte da tarefa, estendendo absurdamente a “investigação” no tempo, gerando prescrição, perda de provas e total impunidade.
O caso do médium é apenas um no meio de tantos, mas podemos lembrar o pedreiro Amarildo, a vereadora Marielle Franco, e muitos, muitos outros, milhares de casos, que não tomamos nem conhecimento. São as vidas das pessoas que ficam atoladas em montanhas de papel que não chegam a lugar algum.
Precisamos repensar a polícia que queremos para a nossa sociedade. Precisamos de carreira policial com entrada única pela base, precisamos de policial de ciclo completo, e precisamos desburocratizar essa ferramenta chamada inquérito policial.
Marcelo Kpeze, Vice-Presidente da ANEPF e Coordenador do MPL