A BANALIZAÇÃO DA PERÍCIA CRIMINAL
O sistema de justiça do Brasil é burocrático, lento, ineficaz e produtor de inúmeras distorções. A perícia criminal, partícipe desse processo, também possui inúmeros problemas.
Um dos maiores problemas existentes é a necessidade de, muitas vezes, o trabalho pericial dizer o óbvio. Por incrível que pareça, às vezes é necessário que um perito criminal diga que uma faca é um “instrumento adequado para produzir feridas cortocontusas (ou seja, para lesionar)”. Na prática, é exigido que um perito criminal diga que a faca pode efetivamente cortar.
Devido ao fato de o processo penal brasileiro ser bastante burocrático e procedimental, não pode o policial que atende ou que investiga um crime, constatar que um pedaço de madeira seja “eficiente” para causar feridas em determinada pessoa. O policial que atende uma ocorrência de briga ou um pequeno acidente que tenha causado lesões leves não pode constatar tal lesão, ainda que isso seja ratificado por um médico do hospital mais próximo, já que se fará necessário que a vítima seja conduzida até um Perito da polícia. Esse procedimento traz morosidade, custos de deslocamento e mais burocracia, vitimando duas vezes a pessoa, banalizando assim a atividade pericial.
Para dar outros exemplos, é necessário que, exclusivamente, um perito criminal constate que um cadeado foi danificado (quebrado) durante a prática de um crime de furto; ou que uma telha de cerâmica está quebrada pela ação de uma pedra.
Esse tipo de situação insólita impõe custos elevados e desnecessários. Uma equipe pericial perde o tempo de deslocamento para atender essas ocorrências, quando a simples constatação pelo policial, seria suficiente. Enquanto o trabalho pericial se concentrar nesse tipo de banalidade, não conseguirá oferecer reais respostas para aqueles crimes que realmente exigem trabalhos complexos de análise e interpretação de vestígios. Quando tudo é trabalho para a perícia, a perícia não é nada, sendo banalizada e sobrecarregada.
Tomemos como outro exemplo a Lei de Drogas (Lei 11.343/06). Conforme previsto, para que seja lavrado o auto de prisão em flagrante de qualquer quantidade de droga, é imprescindível a confecção de laudo pericial subscrito por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea. Em que pese haver, na teoria, a possibilidade de lavratura do laudo pericial por “pessoa idônea”, isso simplesmente não ocorre com frequência na prática, pelo menos onde há órgãos periciais relativamente bem estruturados.
Na prática, qualquer apreensão de droga, que seja de 1g (um grama), é levada para a Perícia para que um perito criminal oficial, remunerado pelo Estado, proceda ao exame preliminar de droga – o que não será suficiente para a condenação, pois necessário outro exame (definitivo), conforme dispõe a lei.
Assim, em regra, a autoridade que fez a apreensão da droga, nessas situações: (i) necessita conduzir a pessoa presa e a droga com ela encontrada à autoridade policial mais próxima; (ii) ocorre a lavratura do auto de prisão em flagrante; (iii) a mesma ou outra autoridade que realizou a apreensão da droga deve encaminhar o material contendo o entorpecente para o órgão de perícias; (iv) deve ser feito o exame preliminar; e (v) a autoridade, de posse do laudo preliminar, deve voltar à delegacia de polícia onde foi lavrado o auto, para que seja possível a manutenção da prisão em flagrante.
Durante todos esses procedimentos, há enorme burocracia, deslocamento, espera da autoridade para a confecção dos documentos necessários, retirando todos os sujeitos envolvidos na atividade de persecução penal de suas atividades-fins.
Para sanar essa situação, bastaria seguir a atual lei de drogas, em que o policial responsável lavra o laudo preliminar, utilizando-se apenas de métodos colorimétricos, que é um composto químico que constata se àquela substância é ilícita ou não. Em outros casos, seria necessária alteração legislativa para que outros sujeitos envolvidos na persecução penal pudessem ter suas atribuições ampliadas, no sentido realizar exames periciais – ainda que menos complexos. Isso esbarraria, sem dúvidas, no sentimento corporativista dos peritos oficiais.
É até compreensível e razoável esperar resistências nesse processo, sendo que alguns argumentos contrários são realmente legítimos, como menor conhecimento, detalhismo, sensibilidade e experiência de outros agentes envolvidos, falta de instrumentos adequados etc. Entretanto, o que não se pode admitir é a ausência de discussão a respeito da situação existente, que dificulta o andamento da persecução penal, prejudicando a sociedade.
Outro problema que encontramos no Brasil é o distanciamento entre os Peritos e os Agentes que investigam os crimes. Enquanto nos países desenvolvidos os peritos, embora independentes e não subordinados aos policiais, possuem seus laboratórios dentro das unidades policiais onde rapidamente os objetos chegam e são periciados e de lá saem os laudos de forma célere e eficiente, no Brasil os peritos ficam concentrados em prédios distantes das Unidades Policiais se comunicando com os policiais via requisições e ofícios frios e distantes que entram numa fila burocrática de afazeres. Não havendo dinamismo e troca de informações rápidas pessoalmente. Sem contar o absurdo das vitimas terem que se dirigir às unidades policias para registrarem as ocorrências e depois ter que se dirigirem à perícia para fazerem determinadas perícias como de lesões corporais e perícias em veículos por exemplo. Nossa sugestão seria haver em cada departamento especializado, a presença física de Peritos, seus laboratórios e equipamentos para celeridade e eficiência da investigação criminal.
O Movimento Policiais Livres, como uma de suas missões, possui o objetivo de apresentar soluções práticas para os problemas existentes no cotidiano policial. Não se pode adotar um ponto de vista míope e unilateral sobre determinado assunto, mas é importante que não deixemos que pautas puramente corporativistas, prejudiquem a sociedade. É importante respeitar atribuições legais, mas sempre tendo em vista o interesse público, e não pautas exclusivamente individuais ou classistas.
Rafael Corrêa
Bacharel em Biologia e Direito, Perito Criminal e Coordenador do Movimento Policiais Livres
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QUEM PODE INVESTIGAR?
Durante anos perdurou no Brasil uma celeuma acerca da possibilidade do Ministério Público realizar investigações. Como titular da ação penal, e portanto, maior interessado em produzir provas, poderia esse órgão tomar para si as rédeas de uma investigação em vez de depender de terceiros para formar sua opinião e denunciar ou deixar de fazê-lo?
Antes de responder a essa pergunta devemos saber como é feito em outros países:
Segundo os Procuradores de Justiça, Antonio Carlos da Ponte e Pedro Henrique Demercian no artigo “Algumas Considerações Sobre o Ministério Publico no Direito Estrangeiro”, acerca do Ministério Público Alemão
É certo, de qualquer forma, que o Ministério Público é titular da ação penal e que, para propiciar esta atividade, poderá investigar por meios próprios e, ainda, valer-se da ajuda e cooperação da Polícia, a qual, embora não esteja a ele vinculada tem por obrigação cumprir suas ordens
Em Portugal, conforme consta no Estatuto do Ministério Público, o MP tem por competência dirigir as investigações, portanto não há nenhuma dúvida acerca de sua capacidade de investigar
Dirigir a investigação e as ações de prevenção criminal que, no âmbito das suas competências, lhe incumba realizar ou promover, assistido, sempre que necessário, pelos órgãos de polícia criminal
Nos EUA, os promotores são assessorados por assistentes, mas quem executa os atos investigativos de campo são policiais que fazem parte do quadro da promotoria/procuradoria, ou seja, importante ressaltar que, apesar da competência legal para investigar, não significa que os promotores/procuradores sejam policiais e executem na ponta, tarefas policiais.
Da mesma forma que a polícia não deve querer avançar na atribuição e competência do MP, o MP também não deve avançar na atribuição e competência das polícias. Como diz a expressão popular “cada macaco no seu galho”.
Com esses três exemplos dos quais possuem tradições jurídicas tão diferentes entre si, ainda assim temos o ponto em comum da possibilidade do poder investigatório do Ministério Público no Brasil, conforme o próprio STF positivou, esse entendimento através do julgamento do HC 89837 com o voto do Ministro Celso de Melo.
“O MP tem a plena faculdade de obter elementos de convicção de outras fontes, inclusive procedimento investigativo de sua iniciativa e por ele presidido”.
Vencido o entendimento acerca dessa não concentração do poder de investigação e também utilizando os exemplos de outros países, observamos que no Brasil, embora o MP possa investigar, a investigação criminal está extremamente concentrada em apenas um cargo das polícias civis e federal, ao contrário de outros países desenvolvidos onde todos os órgãos, dentro de suas atribuições e especialidades, realizam investigações e atuam em colaboração uns com os outros, podendo realizar do início ao fim um trabalho investigativo, prisão e apresentação à autoridade judicial competente, sem a concentração do oligopólio da investigação em poucas instituições e em apenas um cargo específico que acaba funcionando como um atravessador do trabalho alheio,
A título de exemplo, a Polícia Federal brasileira concentra atribuições exercidas por mais de vinte Agências de Aplicação da Lei nos EUA tais como: fiscalização de armas (ATF), imigração (ICE), investigação criminal e suporte aos estados e municípios em investigações (FBI), tráfico de drogas (DEA) e etc.
Como sociedade, devemos nos questionar a quem interessa esse modelo brasileiro criado em 1871 do qual concentra todo o trabalho investigativo em apenas um cargo dentro das polícias civis e federal, concentrando e travando os recursos do Estado ao sabor de sua disponibilidade, conveniência e oportunidade, fortalecendo a impunidade.
Nós do Movimento Policiais Livres defendemos o fortalecimento das instituições Policiais através do que é aplicado com sucesso em todo o mundo, com exceção de Brasil e Guiné Bissau, com a adoção do policial de Ciclo Completo, na qual cada policial em sua instituição, é responsável de forma integral por seu trabalho dentro de sua competência com procedimentos investigativos eficientes para atingirem sua eficácia dentro da lei e da melhor técnica policial.
Daniel Marques, PC RJ, Bacharel em Direito, pós graduado em Direito Penal/Processual Penal e Coordenador do Movimento Policiais Livres
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QUANDO O CRIME COMPENSA!
Para ser preso no Brasil, o bandido tem que ser, acima de tudo, um azarado: cometer um crime pesado e ainda ser pego em flagrante. Para a vasta maioria dos delitos, não há investigação efetiva no Brasil. Muita burocracia, investigação baseada em oitivas (que se repetem em fase processual), muita centralização e pouca doutrina investigativa fazem a polícia realizar o trabalho de Sísifo (mitologia grega) todos os dias.
Além de cara, a justiça aqui é lenta. Gastamos 1,3% do PIB para custear toda a estrutura judicial. A Colômbia gasta 0,21%, o Chile 0,22%, os Estados Unidos 0,14% e a Argentina 0,13%.
E o tempo? Segundo o CNJ, o tempo médio de uma decisão em 1 instância varia entre 5 e 9 [ 6 anos]1anos dependendo se é justiça estadual ou federal. Nos países da União Europeia esse tempo é inferior a um ano e, nos Estados Unidos, a decisão ocorre em até 90 dias, frequentemente sai no mesmo dia para crimes leves.
Por isso que é comum nos depararmos com indivíduos que, mesmo presos em flagrante, passam anos em liberdade sem sentença condenatória, muito menos com transito em julgado.
Além disso, em 2020 existiam 74 milhões de processos judiciais em tramitação. Muitos tramitando há mais de 20 anos. Processos contra o governo, especialmente os que envolvem alguma indenização são tão lentos que muitas as vezes as pessoas morrem antes da decisão judicial ou recebem um precatório cujo pagamento ninguém sabe quando será.
Mesmo quando a Polícia consegue vencer todas as adversidades e prende um criminoso, provavelmente ele não vai ficar preso por muito tempo. Isso acontece por que no Brasil a prisão, exceto casos raros, só acontece quando o criminoso é condenado em definitivo.
Além disso, só se inicia a pena no regime fechado , quando a condenação ultrapassa os 8 anos, nossa legislação possui mais de 1600 tipos penais e menos de 3%2 tem uma pena in abstrato maior que 8 anos.
Se você tiver dinheiro e bons advogados, esse “definitivo” pode ser empurrado para a segunda, terceira ou quarta instância da justiça (STF), e demora tanto que o crime acaba prescrevendo. Infelizmente isso é muito frequente, foi o caso de Lula, que teve seus crimes prescritos em uma manobra jurídica.
Ainda que se considere que não houvesse recursos para 2ª instância, contando apenas o período médio de duração de processo criminal na 1ª instância até a sentença final, chegamos à conclusão de nada menos que 40,02% dos tipos penais previstos no ordenamento jurídico brasileiro já nascem prescritos3
No Brasil, a justiça não apenas tarda, mas também falha. Os policiais tem muito trabalho e estão submetidos a um modelo de polícia que os engessam, se arriscando para proteger a sociedade todos os dias, e mesmo quando conseguem superar as dificuldades do modelo falido que temos, a justiça cara e lenta, solta ou nem chega a prender os criminosos. Nunca teremos um país desenvolvido enquanto não tivermos uma justiça confiável e eficiente.
“Mas vale a pena prender? Vamos ver. Segundo Thomas Sowell, o custo total das prisões do Reino Unido é de 3 bilhões de libras por ano. Parece um custo alto, certo? Mas os custos totais do crime são estimados em 60 bilhões de libras por ano. Ou seja: os custos do crime são 20 vezes maiores que os custos das prisões! Quem disse a mesma coisa foi o economista Steve Levitt, autor do livro Freakonomics.. Em 1996, Steve publicou um estudo que chegou à seguinte conclusão: Cada criminoso preso gera uma redução de 15 crimes patrimoniais por ano. Os benefícios sociais da redução do crime são iguais ou maiores que os custos de encarceramento”4.
Bruno Carpes5 nos relembra que John Stuart Mill em sua obra clássica “Sobre a Liberdade”, já pontuava “ o único propósito com o qual se legitima o poder sobre algum membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é evitar danos aos demais” e arremata citando Tobias Barreto que aduzia: “ Podem frases teoréticas encobrir a feição da coisa, mas no fundo o que resta é o fato incontestável de que punir é sacrificar em todo ou em parte, o indivíduo a bem da comunhão social, sacrifício mais ou menos cruel conforme o grau de civilização deste ou daquele povo, nesta ou naquela época dada, mas sacrifício necessário, que, se por um lado não se acomoda a rigorosa medida jurídica, por outro lado também não pode ser abolido por efeito de um sentimentalismo pretendido humanitário, que não raras vezes quer ver extintas, por amor a humanidade, coisas sem as quais a humanidade não poderia talvez existir. “
1 LIMA, Filipe Regueira de Oliveira. O Brasil Prende Demais? Reflexões sobre a prisão. Londrina: Editora EDA, 2022. P. 264
2 SOUZA, Leonardo Giardin e PESSI, Diego. Bandiolatria e democídio: ensaios sobre garantismo penal e a criminalidade. Porto Alegre: SV Editora, 2018
3 LIMA, Filipe Regueira de Oliveira. O Brasil Prende Demais? Reflexões sobre a prisão. Londrina: Editora EDA, 2022. P. 264
4 Motta, Roberto. Jogando Para Ganhar: Teoria e Prática da Guerra Política . LVM Editora. Edição do Kindle.
5 CARPES, Bruno. O mito do encarceramento em massa. Londrina: Editora EDA, 2021. P. 76
BRUNO PEREIRA
Economista, Mestre em finanças (FEA-USP), Doutor em Administração (FGV-EAESP), PF e Coordenador do Movimento Policiais Livres
com a colaboração de Daniel Marques (PC-RJ), Ricardo Ziegler (PM-DF) e Lucho Andreotti (PC-SP)
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Avança o debate acerca da modernização do modelo policial no Brasil.
No dia 12/02/2020, houve no Congresso Nacional, o lançamento da Frente Parlamentar pela adoção do Ciclo Completo de Polícia.
Composta por inúmeros parlamentares, a Frente é composta pelos seguintes Deputados Federais diretores:
Presidente Deputado Subtenente Gonzaga PDT/MG
Deputado Aluísio Mendes PSC/MA (1º Vice-Presidente)
Deputado Reginaldo Lopes PT/MG (2º Vice-Presidente)
Deputado Nicoletti PSL/RR (3º Vice-Presidente)
Deputado Guilherme Derrite PP/SP (Secretário-Geral)
Deputada Alice Portugal PCdoB/BA (1º Conselheiro)
Deputado Capitão Alberto Neto REPUBLICANOS/AM (2º Conselheiro)
Coronel Tadeu PSL/SP (3º Conselheiro)
Deputada Mara Rocha PSDB/AC (Região Norte)
Deputado Capitão Wagner PROS/CE (Região Nordeste)
Deputado Kim Kataguiri DEM/SP (Região Sudeste)
Deputada Flávia Morais PDT/GO (Região Centro-Oeste)
Deputado Sanderson PSL/RS (Região Sul)
O ciclo completo é uma necessidade tão óbvia e urgente no Brasil que, como podem ver, une parlamentares de partidos e ideologias totalmente divergentes como PT, PC DO B, PDT, PP, REPUBLICANOS, DEM, PSL, PROS E PSDB.
Nós, do Movimento Policiais Livres, composto por agentes de direita (liberais/ conservadores) e o Movimento Policiais Antifascismo, composto por agentes de esquerda (socialistas/marxistas), embora divirjamos visceralmente em 99% das pautas políticas, convergimos totalmente pela necessidade da adoção do policial de ciclo completo, da carreira de entrada única e modernização da investigação, demonstrando que tal pauta é supra partidária e ideológica e é um tema de cunho técnico.
MAS O QUE SERIA O CICLO COMPLETO DE POLÍCIA OU POLICIAL DE CICLO COMPLETO?
Significa que os policiais, sejam eles de qualquer instituição policial ou de instituições de Estado com poder de polícia no sentido lato sensu, são responsáveis por sua ocorrência, prisão ou investigação do início ao fim, ou seja, do recebimento da notícia crime ou do flagrante até a apresentação ao Ministério Público e ao Magistrado. Ao prender alguém, o policial, imediatamente poderá fazer seu relatório e o apresentar ao Promotor e ao Juiz. A relação é entre o Agente do Estado responsável pela ocorrência, prisão e/ou investigação e o Promotor que irá oferecer a denúncia e o Juiz que irá dar a sentença.
Como é o CICLO COMPLETO NOS EUA?
Por exemplo, nos EUA uma mulher vítima de violência doméstica é agredida por seu companheiro e aciona o 911. Imediatamente uma guarnição da polícia chega e, imediatamente passa a apurar o ocorrido. Ouve a vítima, verificando se está lesionada, identificando e fotografando suas lesões, as evidências deixadas no local do ocorrido como marcas de sangue, objetos quebrados, comparando os relatos ouvidos com os sinais deixados, levantando eventuais testemunhas, o histórico de outros fatos semelhantes ocorridos entre o casal junto aos vizinhos e parentes, bem como nos sistemas de bancos de dados policiais, verificando também a existência de câmeras ou outras gravações do ocorrido e outras diligências necessárias.
Se o agressor tiver fugido do local, não sendo encontrado por outras viaturas que patrulham a região, o relatório dos policiais que atenderam a ocorrência será entregue ao Promotor que estará instruído para oferecer a denúncia e eventualmente solicitar uma medida protetiva ao juiz.
Se o agressor estiver no local, ele será levado ao chamado “presídio rotativo” onde apresentado ao Juiz este deliberará por sua prisão, fiança ou soltura. Nota-se que os policiais que atenderam o ocorrido, já estão nas ruas prevenindo crimes e, assim que acionados, já iniciam a apuração dos fatos no “calor do momento” onde as evidências encontram-se “quentes”, levando o fato diretamente para o operador do direito da Promotoria que irá proceder com a denúncia e o Juiz que procederá com o primeiro julgamento. Todo esse trâmite é relativamente rápido e sem burocracia, sem intermediários ou retrabalhos.
COMO FUNCIONA NO BRASIL?
Brasil e Guiné Bissau, são os únicos países do mundo que o modelo de polícia é de ciclo incompleto.
Segundo a CF/88 as polícias militares podem apenas prevenir crimes e somente as polícias civis e a polícia federal podem investigar e cumprir mandados e outras funções da chamada Polícia Judiciária ( q é dar cumprimento à ordens judiciais).
Por exemplo, no Brasil uma mulher vítima de violência doméstica é agredida por seu companheiro. Se a vítima aciona o 190, uma viatura da polícia militar chegará ao local, porém, impedidos de realizar qualquer diligência investigativa como ouvir a vítima, testemunhas, apanhar registros de vídeos de câmeras de monitoramento e celulares, fotografar o local com eventuais indícios do fato narrado ou dos ferimentos da vítima, os policiais militares pouco podem fazer, podendo no máximo oferecer carona pra vítima a um hospital, se for necessário, ou a uma Delegacia de Polícia Civil para registrar um boletim de ocorrência onde se iniciará uma investigação a posteriori, com os fatos frios, testemunhas distantes que provavelmente não vão querer mais se envolver, eventuais imagens e demais evidências perdidas ou apagadas com o tempo. Em muitos casos, a Delegacia mais próxima encontra-se há centenas de quilômetros do local do fato, retirando a guarnição policial das ruas por horas a fio e fazendo a vítima ser vítima duas vezes. Pelo autor do crime e pela burocracia desse modelo falido que temos no Brasil.
Se neste caso o autor das agressões fosse apanhado em flagrante no local dos fatos ou imediações, o policial militar faria seu relatório, porém não poderia imediatamente apresentar o preso ao Promotor para denunciar e ao juiz para deliberar pela prisão, fiança ou soltura. Precisaria obrigatoriamente apresentar sua ocorrência numa unidade da polícia civil, para que um delegado de polícia ratifique o que o policial já colocou em seu relatório, criando um retrabalho extremamente moroso e burocrático, que aloca vários policiais civis, para somente depois o preso ser apresentado ao magistrado que sequer entrará no mérito da ocorrência na audiência de custódia. Podemos entender que, no Brasil, entre o policial que prende/investiga, o Promotor que denuncia e o Juiz que julga, existe um intermediário que não existe nos modelos de polícia pelo mundo afora.
A ideia de ciclo completo não se limita às polícias, mas a todos os órgãos com atribuição de fiscalização ou apuração de ilícitos que é o poder de polícia do Estado no sentido lato sensu. Por exemplo, com o ciclo completo, quando o IBAMA se deparar com um crime ambiental, ele poderia encaminhar sua apuração diretamente ao Promotor e Juiz, sem precisar passar pelas polícias civis ou federal, que poderiam estar investigando crimes, mas acabam sendo utilizadas para elaborar pilhas de papéis que poderiam ter sido feito por cada órgão dentro de sua esfera de atuação. Esse princípio serviria tanto para o citado IBAMA, como para Receita Federal, Vigilância Sanitária e etc.
As polícias civis e federal tornaram-se grandes cartórios que registram crimes, fábricas de papel, transformando policiais com ensino superior e com vontade de investigar em burocratas sem autoestima, onerando a população que paga caro por um sistema arcaico e ineficiente.
Mas afinal, qual modelo de ciclo completo queremos?
Muito se fala sobre o ciclo completo, mas é preciso definir quais dos distintos modelos propostos, seria o melhor para adaptar as instituições e estrutura que temos hoje no Brasil. Os modelos existentes são:
-por territorialidade: cada polícia fica responsável por uma circunscrição diferente;
-por tipo penal: cada polícia fica responsável por um rol de crimes;
-modelo misto: territorial onde determinada polícia não se faça presente e por tipo penal nas cidades onde haja todas as polícias;
O Movimento Policiais Livres, defende o modelo misto. Como seria?
-Transformar as Guardas Civis em Polícias Municipais e dar a seus agentes o ciclo completo nos flagrantes e termos circunstanciados de sua responsabilidade. Alterar a Constituição para permitir que haja uma Corregedoria Estadual para controle e fiscalização das Polícias Municipais tendo em vista que passaria a existir milhares de polícias de uma hora para outra, nas mãos de prefeitos que poderiam transformar tais polícias em guardas pretorianas para os servirem. Tal preocupação se refere às milhares de cidades pequenas nos mais distantes rincões do país que obviamente também não teriam condições de ter um órgão corregedor.
-Nas cidades aonde não haja delegacias da polícia civil, a polícia militar fica responsável por tudo, tendo em vista que em pequenas cidades não há muitos crimes, tampouco complexidade de crimes. A PM pode solicitar apoio a polícia civil da cidade mais próxima para apuração de crimes que necessite de auxílio, principalmente em crimes complexos.
-Nas cidades que tenham Polícia Civil e Polícia Militar: a PC fica com seus flagrantes e termos circunstanciados, crime organizado, grandes fraudes, corrupção e correlatos, sequestros e demais crimes complexos a serem definidos em lei. A PM fica com seus flagrantes e termos circunstanciados, roubos, furtos, violência doméstica e outros crimes ordinários a serem definidos em lei.
-As Polícias Penais ficariam com seus flagrantes e termos circunstanciados, prevenção e investigação de crimes ocorridos no sistema penitenciário e correlatos. Fica também responsável pelo recolhimento e/ou recebimento dos presos de todas as outras instituições, tendo em vista que seria impossível dentro da nossa atual realidade, todas as prisões serem conduzidas de imediato a um magistrado e promotor, bem como ser responsável pela recaptura de presos que fugiram do sistema penitenciário.
-A Polícia Federal fica com seus flagrantes e termos circunstanciados, bem como com a investigação dos crimes federais e demais competências administrativas federais como controle de armas, passaporte e etc.
-A Polícia Rodoviária Federal ficaria com seus flagrantes e termos circunstanciados, prevenção e investigação de crimes ocorridos em todas as rodovias federais e estaduais. Ou seja, concentrar na PRF tudo que tenha relação com rodovias e ainda conceder o policiamento/investigação em todos os outros modais de transporte (rodoviário, ferroviário, hidroviário e aeroviário), absorvendo assim a Polícia Ferroviária no art.144 da Constituição Federal.
Sabemos das dificuldades e resistências classistas para promover tais reformas, mas é preciso avançar para termos um modelo policial moderno, eficiente, dinâmico, célere, que atenda a demanda do verdadeiro chefe: O POVO BRASILEIRO.
LUCHO ANDREOTTI
Bacharel em Jornalismo e Direito, Policial Civil, Coordenador Nacional do Movimento Policiais Livres, Assessor Parlamentar, Sionista, Soldado de D’us e do Movimento Brasil Livre
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Indiciamento, um ato juridicamente irrelevante e nefasto
Um ato inútil, burocrático, usado como marketing midiático, podendo ser usado ainda como ferramenta para a corrupção.
Um ato inútil, burocrático, usado como marketing midiático, podendo ser usado ainda como ferramenta para a corrupção. Me convença do contrário!!!
O “indiciamento” é o registro, feito pela polícia, de um investigado que, na opinião do delegado responsável pelo inquérito, é o autor do fato apurado. Ocorre que tal instrumento (indiciamento), não é previsto no Código de Processo Penal. O CPP cita apenas a palavra “indiciado” ao se referir a quem a investigação encontrou indícios de autoria.
Sendo assim, o ato de “indiciar” alguém é totalmente irrelevante, pois não há qualquer desdobramento do ponto de vista jurídico.
Quando ouvimos na imprensa que “Fulano de Tal” foi indiciado, tendemos a pensar que Fulano é o culpado e que ele se deu mal, foi pego e deverá ser preso. Quando na realidade, “Fulano de Tal” ser indiciado não tem influência nenhuma na decisão de denunciar ou não do Ministério Público, muito menos na decisão de condenar do Judiciário. Ou seja, o indiciamento por si só, não gera processo, nem condenação.
Caberá ao Ministério Público analisar os fatos narrados no inquérito policial e os indícios nele expostos parar decidir se caberá denúncia para aí sim, haver um Processo Criminal contra “Fulano de Tal”.
Embora a Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, tenha vindo para “dispor sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia”, mencionando o indiciamento no artigo 2.º, parágrafo 6.º, não alterou em absolutamente nada a irrelevância processual do indiciamento. Se tivesse interferido nos atos do Ministério Público e/ou do Poder Judiciário seria inconstitucional.
Na prática, o ato do “indiciamento” tem três efeitos nefastos:
O primeiro é a existência de mais uma burocracia no já burocrático inquérito policial, que faz os policiais perderem tempo, energia e insumos para fazer algo inútil.
O segundo efeito é a possibilidade de usar tal “instrumento” como ferramenta para a corrupção ou para manchar reputações. Por quê e como? Embora não tenha qualquer consequência jurídica para o indiciado, este fica com seus registros policiais marcados como “INDICIADO”, mesmo que ele não venha nem a ser denunciado pelo MP ou numa eventual denúncia, venha a ser absolvido pelo Juiz. Com isso, cria-se uma indústria do indiciamento onde maus policiais ameaçam indiciar a pessoa, maculando seu nome, caso ela não pague propina. É muito comum, dois casos idênticos terminar com o indiciamento em um e sem indiciamento no outro.
O terceiro efeito nefasto é a judicialização desnecessária ocasionada pelo indiciamento já que muitas vezes a defesa do investigado ingressa na justiça com habeas corpus para que seu cliente não seja indiciado ou para desfazer o indiciamento, ou seja, tal ato, além de inútil, ainda acarreta a oneração da justiça, gerando gastos e movimentando desnecessariamente o aparato estatal.
A atividade investigativa policial é demasiadamente importante e deve ser valorizada com a promoção da celeridade, economicidade, eficiência, dinamismo e cientificidade e não deve ser contaminada por atos desnecessários que promovem a burocracia, a alocação desnecessária de agentes públicos e atos que servem de instrumento para maus policiais ou visando vantagem econômica ou para perseguição e destruição de reputação. A relevância da polícia investigativa está na capacidade de elucidar crimes e levar os criminosos ao banco dos réus para serem condenados e não em atos pomposos, porém inúteis que induzem a população a erro e a condenação de pessoas pela opinião pública, muito antes dela ser realmente condenada. Essa é uma das reformas que o Brasil precisa enfrentar no sistema de persecução penal se quisermos ser levados a sério.
LUCHO ANDREOTTI
Bacharel em Jornalismo e Direito, Policial Civil, Coordenador Nacional e colunista do Movimento Policiais Livres, Assessor Parlamentar, Sionista, Soldado de D’us e membro do Movimento Brasil Livre
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