A BANALIZAÇÃO DA PERÍCIA CRIMINAL
O sistema de justiça do Brasil é burocrático, lento, ineficaz e produtor de inúmeras distorções. A perícia criminal, partícipe desse processo, também possui inúmeros problemas.
Um dos maiores problemas existentes é a necessidade de, muitas vezes, o trabalho pericial dizer o óbvio. Por incrível que pareça, às vezes é necessário que um perito criminal diga que uma faca é um “instrumento adequado para produzir feridas cortocontusas (ou seja, para lesionar)”. Na prática, é exigido que um perito criminal diga que a faca pode efetivamente cortar.
Devido ao fato de o processo penal brasileiro ser bastante burocrático e procedimental, não pode o policial que atende ou que investiga um crime, constatar que um pedaço de madeira seja “eficiente” para causar feridas em determinada pessoa. O policial que atende uma ocorrência de briga ou um pequeno acidente que tenha causado lesões leves não pode constatar tal lesão, ainda que isso seja ratificado por um médico do hospital mais próximo, já que se fará necessário que a vítima seja conduzida até um Perito da polícia. Esse procedimento traz morosidade, custos de deslocamento e mais burocracia, vitimando duas vezes a pessoa, banalizando assim a atividade pericial.
Para dar outros exemplos, é necessário que, exclusivamente, um perito criminal constate que um cadeado foi danificado (quebrado) durante a prática de um crime de furto; ou que uma telha de cerâmica está quebrada pela ação de uma pedra.
Esse tipo de situação insólita impõe custos elevados e desnecessários. Uma equipe pericial perde o tempo de deslocamento para atender essas ocorrências, quando a simples constatação pelo policial, seria suficiente. Enquanto o trabalho pericial se concentrar nesse tipo de banalidade, não conseguirá oferecer reais respostas para aqueles crimes que realmente exigem trabalhos complexos de análise e interpretação de vestígios. Quando tudo é trabalho para a perícia, a perícia não é nada, sendo banalizada e sobrecarregada.
Tomemos como outro exemplo a Lei de Drogas (Lei 11.343/06). Conforme previsto, para que seja lavrado o auto de prisão em flagrante de qualquer quantidade de droga, é imprescindível a confecção de laudo pericial subscrito por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea. Em que pese haver, na teoria, a possibilidade de lavratura do laudo pericial por “pessoa idônea”, isso simplesmente não ocorre com frequência na prática, pelo menos onde há órgãos periciais relativamente bem estruturados.
Na prática, qualquer apreensão de droga, que seja de 1g (um grama), é levada para a Perícia para que um perito criminal oficial, remunerado pelo Estado, proceda ao exame preliminar de droga – o que não será suficiente para a condenação, pois necessário outro exame (definitivo), conforme dispõe a lei.
Assim, em regra, a autoridade que fez a apreensão da droga, nessas situações: (i) necessita conduzir a pessoa presa e a droga com ela encontrada à autoridade policial mais próxima; (ii) ocorre a lavratura do auto de prisão em flagrante; (iii) a mesma ou outra autoridade que realizou a apreensão da droga deve encaminhar o material contendo o entorpecente para o órgão de perícias; (iv) deve ser feito o exame preliminar; e (v) a autoridade, de posse do laudo preliminar, deve voltar à delegacia de polícia onde foi lavrado o auto, para que seja possível a manutenção da prisão em flagrante.
Durante todos esses procedimentos, há enorme burocracia, deslocamento, espera da autoridade para a confecção dos documentos necessários, retirando todos os sujeitos envolvidos na atividade de persecução penal de suas atividades-fins.
Para sanar essa situação, bastaria seguir a atual lei de drogas, em que o policial responsável lavra o laudo preliminar, utilizando-se apenas de métodos colorimétricos, que é um composto químico que constata se àquela substância é ilícita ou não. Em outros casos, seria necessária alteração legislativa para que outros sujeitos envolvidos na persecução penal pudessem ter suas atribuições ampliadas, no sentido realizar exames periciais – ainda que menos complexos. Isso esbarraria, sem dúvidas, no sentimento corporativista dos peritos oficiais.
É até compreensível e razoável esperar resistências nesse processo, sendo que alguns argumentos contrários são realmente legítimos, como menor conhecimento, detalhismo, sensibilidade e experiência de outros agentes envolvidos, falta de instrumentos adequados etc. Entretanto, o que não se pode admitir é a ausência de discussão a respeito da situação existente, que dificulta o andamento da persecução penal, prejudicando a sociedade.
Outro problema que encontramos no Brasil é o distanciamento entre os Peritos e os Agentes que investigam os crimes. Enquanto nos países desenvolvidos os peritos, embora independentes e não subordinados aos policiais, possuem seus laboratórios dentro das unidades policiais onde rapidamente os objetos chegam e são periciados e de lá saem os laudos de forma célere e eficiente, no Brasil os peritos ficam concentrados em prédios distantes das Unidades Policiais se comunicando com os policiais via requisições e ofícios frios e distantes que entram numa fila burocrática de afazeres. Não havendo dinamismo e troca de informações rápidas pessoalmente. Sem contar o absurdo das vitimas terem que se dirigir às unidades policias para registrarem as ocorrências e depois ter que se dirigirem à perícia para fazerem determinadas perícias como de lesões corporais e perícias em veículos por exemplo. Nossa sugestão seria haver em cada departamento especializado, a presença física de Peritos, seus laboratórios e equipamentos para celeridade e eficiência da investigação criminal.
O Movimento Policiais Livres, como uma de suas missões, possui o objetivo de apresentar soluções práticas para os problemas existentes no cotidiano policial. Não se pode adotar um ponto de vista míope e unilateral sobre determinado assunto, mas é importante que não deixemos que pautas puramente corporativistas, prejudiquem a sociedade. É importante respeitar atribuições legais, mas sempre tendo em vista o interesse público, e não pautas exclusivamente individuais ou classistas.
Rafael Corrêa
Bacharel em Biologia e Direito, Perito Criminal e Coordenador do Movimento Policiais Livres
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A TAL “AUTONOMIA DA POLÍCIA FEDERAL” PODE SER UMA ARMADILHA
“AUTONOMIA DA POLÍCIA”. Cuidado! Esse papo pode ser uma armadilha.
Sempre que há qualquer movimentação de troca na direção geral ou de superintendentes da Polícia Federal surge a discussão sobre a tal “autonomia” da Polícia Federal. Daí surge uma série de propostas para que a PF tenha a autonomia necessária para desenvolvimento das suas atividades.
Ocorre que tais ideias vendidas à opinião pública nunca são honestas, pois partem daqueles que querem se apossar da instituição como se donos fossem, e angariar poder absoluto dentro de uma instituição de Estado que deve pertencer ao povo que elege o presidente da república para gerir tal instituição e elege os parlamentares que representam o povo para fazerem proposições que aperfeiçoem a Polícia Federal assim como qualquer outra instituição do Estado.
A PF já ganhou autonomia financeira em 1997, através de regimento interno e a autonomia orçamentária veio através de uma portaria do regimento interno em 2016. A PF já tem autonomia de investigação e a maior prova disso é a Operação Lava Jato e tantas outras operações deflagradas pela corporação. O tempo e as normas internas foi fortalecendo e blindando a PF de ingerências políticas que nem mesmo o PT, com todo seu aparelhamento na máquina, conseguiu suplantar, bem como o governo Bolsonaro também não conseguiu.
A história nos mostrou que basta termos o Ministério Público atuante e próximo que não haverá risco de interferências políticas, bem como a opinião pública, imprensa e entidades da sociedade civil que estão sempre vigilantes.
No mundo todo, quem administra a polícia é o poder executivo, eleito pelo povo, e quem pode promover mudanças e reestruturações é o parlamento, também eleito. Não existe em NENHUM país do mundo, uma polícia que tenha autonomia completa, sendo desvinculada do Poder Executivo, do Parlamento e do Ministério Público. Pensar numa bizarrice dessas, nos faz pensar como seria o relacionamento de uma autarquia armada autônoma com o poder eleito? Como o Estado poderia definir e implementar políticas de segurança pública tendo de “negociar” com essa polícia? A PF, se converteria em órgão do monopólio da violência de si mesma, sem prestar contas a ninguém. Não mais seria do povo e seria um órgão controlado por seus dirigentes como se fosse um monopólio privado.
Sempre que uma crise acontece, surgem “bons samaritanos” que venderão à sociedade a ideia da “autonomia da polícia” e tentarão empurrar um texto como a PEC 412/2009 que nada mais é do que a autonomia dos delegados federais. Que são aqueles que dirigem a PF. Os outros 2/3 dos policiais, ou seja, os demais Agentes, a maioria feita de profissionais altamente competentes, muitos com pós-graduação em suas áreas, que não terão autonomia nenhuma, são contra essa bizarrice. Infelizmente os Agentes das polícias civis ainda não se aprofundaram no tema que os federais estão há mais tempo lidando e acabam por defender a tal “autonomia” sem se aprofundar no que, afinal, é essa “autonomia” vendida por aí.
Essa PEC 412/2009 (trata apenas da PF) visa apenas ainda mais poder centralizado nas mãos dos delegados federais, que querem a chave do cofre e querem o controle total e irrestrito da polícia. Praticamente se transformam nos donos da polícia, podendo fazer o que bem entenderem.
Com a autonomia dada a um grupo específico dentro da PF que terá a chave do cofre para se auto conceder privilégios e estruturar a polícia da maneira que eles querem, em detrimento dos representantes do povo no parlamento, poderão criar e extinguir cargos, diminuir exigência de nível superior de seus membros e destinar verbas como quiserem.
Com tamanho poder concentrado, poderão chantagear parlamentares a votar leis de seus interesses, benesses salariais, barrar qualquer modernização do sistema de segurança pública que ameace seus privilégios e o monopólio do atual modelo arcaico e ineficiente que promove a impunidade em nosso país. Em suma, a polícia seria um grupo armado com um dono e não haveria controle por parte do poder eleito de dois dos poderes da república. A PF estaria na mão de poucos com muito poder concentrado, com a chave do cofre, não só para conceder a eles próprios uma série de benesses e privilégios, como teria poder suficiente para chantagear o parlamento e barrar qualquer tipo de tentativa de reforma do modelo que temos no Brasil.
Lembrem-se que 90% dos membros da PF são contra essa “autonomia” promovida pela PEC 412.
Sempre que temos uma crise, oportunistas tentam emplacar a panacéia da tal “autonomia”, com uma roupagem fofinha e heroica para enganar o povo, se aproveitando da credibilidade que a PF tem perante a sociedade. Credibilidade não por conta da realidade do cotidiano da atividade da PF que se traduz num amontoado de inquéritos, físicos ou eletrônicos, burocracia e índices baixíssimos de esclarecimento de crimes (ainda que mintam com aquele papo de 94% de esclarecimento), mas por conta da exceção à regra, do ponto fora da curva que é a Operação Lava-Jato e similares (em que o MP está próximo) que induzem o imaginário do povo a erro.
Quem defende a meritocracia, a descentralização de poder, a eficiência, a
desburocratização, a modernização e reformas que nos faça produzir mais com menos, parando de espoliar o cidadão para manter um sistema falido e ineficiente, deve ser contra a PEC 412 e toda e qualquer tentativa de autonomia radical que vão tentar empurrar goela abaixo do povo, vendendo gato por lebre.
Quem defende a PEC 412, está defendendo mais uma jabuticaba, e a manutenção de um modelo centralizador, monopolista, caro e burocrático.
Quem apoia a PEC 412 ou qualquer ideia parecida, está apoiando, em última instância, a extinção do Ministério Público. Com isso, nunca mais teremos uma Lava Jato, pois o próximo passo seria ressuscitar a PEC 37, aquela que tirava do Ministério Público o poder de investigação e uma vez arquivado em 2013, possibilitou a existência da Operação Lava-Jato.
Portanto, defendemos SIM a AUTONOMIA DA PF, mas não essa pseudo autonomia que traz a PEC 412/2009 ou de qualquer proposta que venha a entregar a nossa PF nas mãos de poucos para o controle total, irrestrito, com autonomia funcional (inamovibilidade e vitalício) e financeira, que são atributos de PODERES e não de órgãos do executivo, bem como não defendo a autonomia para políticas públicas de segurança e para gerir/reestruturar a PF. O que eles querem é se tornarem uma espécie de Ministério Público armado, com seus dirigentes podendo ser candidatos a cargos eletivos. Uma total aberração e perversão da democracia. Algo jamais visto no mundo civilizado.
O perigo da LISTA TRÍPLICE
Na esteira desse debate surge a questão da tal “lista tríplice” que é outra proposta daqueles que vendem a narrativa da tal “autonomia da PF”. A “lista tríplice” seria uma lista de 3 delegados que os próprios delegados ofereçam ao presidente da república para que ele possa escolher um deles para assumir a direção geral da instituição. Outra proposta sem cabimento, mas por quê?
Por uma questão óbvia de política criminal daquele que venceu as eleições com seu programa de governo . Imagine que o presidente é eleito com a proposta de “tolerância zero e endurecimento das ações contra o tráfico de armas”, mas os 3 delegados da lista são contrários. Como fica? A política criminal deve partir daquele que foi eleito pelo povo que validou seu programa de governo e não por 3 servidores concursados escolhidos por seus pares.
Defendemos SIM, uma AUTONOMIA TÉCNICO CIENTÍFICA E INVESTIGATIVA, para ninguém interferir em investigações em andamento. Portanto meu caro amigo policial da base. Cuidado ao defender uma “autonomia” que vai dar poder total àqueles que vão te esmagar ainda mais.
LUCHO ANDREOTTI
Bacharel em Jornalismo e Direito, Policial Civil, Coordenador Nacional e colunista do Movimento Policiais Livres, Assessor Parlamentar, Sionista, Soldado de D’us e membro do Movimento Brasil Livre
Por que NÃO devemos unificar nossas polícias
Os EUA, país semelhante ao nosso em seu tamanho, população, pluralidade étnica, racial, religiosa, com problemas de violência, gangues, drogas e etc, possuem 19 mil agências policiais diferentes, enquanto no Brasil temos 58, somando as polícias civis e militares dos Estados e do Distrito Federal, a polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal e a recém criada polícia penal.
A descentralização no modelo americano é total, existindo polícias em todas as esferas: municipais, estaduais, condados, federais e também agências privadas, as quais firmam contrato com o Estado para exercer a função policial em determinada circunscrição.
No modelo americano existem muitas polícias pequenas, especializadas, fáceis de gerir, de treinar seus agentes que se tornam especialistas naquela matéria específica, podendo atender as demandas da sociedade no combate a todos os tipos de crime com a expertise necessária. Por exemplo, na esfera federal existem: o DEA (narcóticos), ICE (imigração), US MARSHAL (segurança dos tribunais, transporte de presos, capturas de procurados federais e etc), US COAST GUARD (Guarda Costeira que faz o policiamento marítimo) e etc.
A descentralização federativa americana promove uma espécie de livre mercado da área policial, pois a liberdade que os estados e municípios possuem para criarem e gerirem livremente suas próprias polícias dentro das necessidades locais de cada região, bem como sua legislação penal, fazem com que as boas práticas sejam reproduzidas e práticas fracassadas sejam abolidas. Afinal, se o Governador do Estado do Texas tem uma política criminal boa, o governador do Estado vizinho Oklahoma será pressionado a reproduzir o que deu certo.
Isso no Brasil não é possível, pois tudo está concentrado na esfera federal. As polícias que os Estados precisam ter e suas atribuições estão definidas no artigo 144 da Constituição Federal, todo o rito da investigação e do processo criminal estão definidas no Código de Processo Penal e o rol de crimes e suas penas e seu cumprimento estão definidos no Código Penal e na Lei de Execução Penal, logo, nada sobra para os Estados fazerem, tendo apenas que seguir as diretrizes do poder central federal. Os municípios podem fazer ainda menos, pois sequer podem ter agências com poder amplo de polícia, sendo relegadas apenas a ter forças de segurança para proteger os bens do município, embora na prática as Guardas Municipais exerçam papel de protagonismo em muitas cidades do interior com uma insegurança jurídica inaceitável.
Unificar as polícias civis e militares e eventualmente a polícia federal, polícia rodoviária federal e ferroviária vai totalmente na contramão de tudo que foi explicitado aqui. Unificar significa criarmos monstros imensos, inadministráveis, monopolísticos, com muito poder concentrado nas mãos de seus dirigentes, tendendo a serem extremamente burocratizadas na tentativa de controlá-las e extremamente ineficientes, pois diferentemente das agências americanas que são pequenas e especializadas, as polícias unificadas seriam um faz tudo, sem expertise nenhuma que ao tentar fazer tudo, não faria nada direito.
Além do mais, as Polícias Civis e as Polícias Militares dos estados brasileiros são demasiadamente diferentes em doutrina, organização, treinamento, administração e operação. Fazer com que essa água e óleo se misturem seria fadar as instituições a um longo e duro período de transição, cheio de atritos, adaptação, e produtividade perdida.
É preciso descentralizar nosso sistema, trazendo os municípios para a segurança pública, permitir que novas agências especializadas sejam criadas e que todos possam investigar crimes dentro de sua esfera de atribuição, instituindo-se o chamado ciclo completo, acabando com a centralização de poder e a burocracia. Unificar significa centralizar poder, criar monopólios inadministráveis e afundar ainda mais nosso sistema de segurança pública.
LUCHO ANDREOTTI
Bacharel em Jornalismo e Direito, Policial Civil, Coordenador Nacional do Movimento Policiais Livres, Assessor Parlamentar, Soldado de D’us e articulista do Movimento Brasil Livre